segunda-feira, março 22, 2010

Pare, relaxe e reflita!







Na música Monte Castelo a intertextualidade foi aplicada de forma muito rica. Renato Russo apropria-se de dois famosos textos sobre o "amor" e constrói, a partir deles, a sua mensagem para uma geração que, talvez, induzida pela cultura rebelde dos anos 80, não estivesse muito a par de dois escritores tão "distantes" desse novo mundo do século XX e sua mensagem de sexo, drogas e rock 'n roll.


I Carta de Paulo aos Coríntios

Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, e não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. E ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que eu entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará. O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se recente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba; mas havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará... Agora, pois, permaneçam a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor.
Fonte: PAULO Apóstolo. Carta à Igreja de Corinto. IN: Bíblia Sagrada. Capítulo 13.


Amor é fogo que arde sem se ver
(Luis Vaz de Camões)


Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente; é
nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Fonte: CAMÕES, Luis Vaz de. Poesia Lírica. Amor é fogo que arde sem se ver. Ulisséia. 1988, 2ª ed.


Monte Castelo
(Renato Russo)




Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

É só o amor, é só o amor.
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal.
Não sente inveja ou se envaidece.

O amor é o fogo que arde sem se ver.
É ferida que dói e não se sente.
É um contentamento descontente.
É dor que desanima sem doer.

Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.

É um não- querer mais que bem- querer.
É solitário andar por entre a gente.
É um não contentar-se de contente.
É cuidar que se ganha em se perder.

É um estar-se preso por vontade.
É servir quem vence o vencedor;
É um ter com quem nos mata lealdade.
Tão contrário a si é o mesmo amor.

Estou acordado e todos dormem,
Todos dormem, todos dormem.
Agora vejo em parte.
Mas então veremos face a face.

É só o amor, é só o amor.
Que conhece o que é verdade.

Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.
Fonte: saiba mais!


O poema de Camões data do século XVI e compõe a vasta produção do período do Classicismo. Ele viveu experiências que formaram o seu mundo "dramático". Assim, sua expressão foi de acordo com a realidade que era trágica. O poeta produziu esse soneto numa época que ainda sofria-se interferência cultural da Idade Média, pois "a literatura ainda era vista como um importante instrumento de formação moral dos homens nobres: tinha, portanto, caráter moralizante e aristocrático". (Ulisses Infante)

Em Camões, o amor sempre é propositadamente contraditório. O tratamento dado ao soneto é visivelmente ligado ao sentimento humano entre um homem e uma mulher, o amor romântico, seja ele correspondido ou não. O amor Eros está sempre ligado à falta, ao sofrimento, uma vez que um amante nunca está saciado do outro. Assim, a mensagem enfatiza que, embora haja sofrimento no amor, ele sempre é, contraditoriamente, acompanhado pela amizade e toda sensação causada por ele, aprazível ou não, é nobre e enobrece o ser que ama.

Já na carta do apóstolo Paulo à igreja de Corinto, registrada na Bíblia, o contexto é bem diferente. Corinto era uma das maiores cidades do mundo romano e uma das mais corruptas, logo a Igreja estava cheia de sérios problemas. Paulo foi forçado pela oposição judaica a focalizar o seu ministério para os gentios, e coube a ele a tarefa de escrever a longa carta aos Coríntios, numa tentativa de tratar o problema.

Nesse contexto, intitulou a carta "O amor é um dom supremo", está no capítulo 13 de I Coríntios, onde fala de um amor em que há total ausência de interesse próprio. "O amor busca o bem do próximo, e a sua verdadeira medida é o quanto ele dá para que se alcance tal fim. Mais do que simples emoção, o amor é um princípio de ação. É uma questão de fazer algo pelos outros por compaixão a eles, sem levar em conta se sentimos ou não afeição por eles". (Bíblia Sagrada)

Paulo fala aos Coríntios de um amor que eles não conheciam, o amor ágape, aquele que se sacrifica pelo bem do outro. É um amor prático, abnegado, que não espera nada em troca.

Pode-se perceber, antes da análise dos textos, algo em comum nos contextos descritos: a necessidade de se ensinar sobre a grandeza do amor para um público que aparentemente, a teme, desconhece ou não lhe concede a importância devida. No soneto, o poeta fala sobre a dor que o amor humano causa, mas, ao mesmo tempo, em como essa dor é preazerosa a ponto de o amante querer estar preso por vontade, portanto não há o que temer diante dele. A carta é enviada pelo apóstolo no intuito de ensinar alguns preceitos cristãos para os coríntios, tão necessitados de orientação em meio a tantos erros, tristezas e depravação, e não há nenhum ensinamento maior do que o amor. Dessa forma, a música promove o encontro dessas duas lições sobre o amor de caráter ativo e nobre, mesmo na dor, diante de uma juventude carente de ideais, valores humanos maiores e mais individualista, se comparada a gerações passadas.

O conceito do amor como um sentimento que causa dor ao mesmo tempo em que enobrece o ser amante, pois leva a ações que buscam o bem do outro.

Exercício 4:
4.1 - Após a escuta da música e a leitura dos outros textos, identifique na letra da música "Monte Castelo" de Renato Russo, a presença de intertextualidade:

4.2 - Vocês ouviram e leram atentamente os textos.
- São Paulo e Camões estão tratando do mesmo tema?
- Por que e como Renato Russo entremeou os dois textos?
- Os dois textos colados passam a ter uma outra mensagem?
- De que tipo de amor fala Renato Russo?
- Que elementos, dos dois textos colados, estariam gerando um terceiro?
Expressem-se livremente.

4.3 - Releiam os textos e discutam em grupos, sobre os 'tipos de amor' sugeridos e as relações comunitárias e pessoais que revelam, tema comum desde o início da era cristã até os dias de hoje. Poderão fazer uma resenha oral das conclusões a que chegaram.

4.4 - Ainda em grupos: Pensem juntos sobre tudo o que os poetas falaram e escolham como tarefa entre:
a) selecionar fragmentos de textos que gerem um novo texto;
b) selecionar, parodiar ou musicar poemas (a poesia tem sua origem ligada à música);
c) fazer raps sobre textos dos próprios alunos ou de outros autores. Todas as produções devem traduzir a experiência da aula sobre cidadania, amor ao próximo e responsabilidade social.

(Não esqueça, tudo deve ser anotado no seu caderno).

Obs: - Toda produção deve ser apresentada em algum evento da escola.


3 comentários:

Rafael Eduardo disse...

Aquele vídeo do Significado das Palavras é fantástico. Muito legal mesmo!
Seu blog é 10!
:)

Ivani Fátima Arendt disse...

CARAMBA, AMIGA!!!
Isso tudo é muito 10!
Que criatividade... Benza Deus!!!

Beijão!

Haroldo Cella disse...

Parabéns! Seu trabalho é um ótimo guia para leitura e aprofundamento da obra de Renato Russo e das influências que ele recebeu.

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