segunda-feira, março 22, 2010

O leitor nunca está sozinho diante do texto

Olá amigos:

O título deste post é do autor Vilson J. Leffa [1999]. Sendo assim, convido você para um "mergulho" na memória do tempo. Nessa viagem tem Rap na parada. Eu adoro Rap e você? Tem também Bossa Nova, já ouviu falar?

Pois é amigos, juntos vamos "fundo" no rap Bossa 9 (Gabriel O Pensador). Conhecem a letra? Se não conhecem, não tem problema, conhecerão agora e tenho certeza, vão gostar muito!


Bossa 9
(Gabriel O Pensador)




Olha que coisa mais linda mais cheia de graça
é ela menina que vem e que passa
num doce balanço a caminho do mar (x1)

Bença, Vinícius e Tom, Dá licença
Desculpe incomodar o vosso bom e merecido sossego
Aí em cima deve ser maravilha,
Sem medo, sem guerrilha sem miséria e desemprego
Dá um abraço no Ray Charlles por mim, outro pro Tim
Mas hoje eu só vim pra fazer um desabafo
Porque a coisa tá ficando ruim
Não é só nem é só em Ipanema nem é só aqui no Rio que tá assim
Mas às vezes dá vontade de pegar o Antonio Carlos Jobim
Por onde vem cada vez menos turista
E por onde sai cada vez mais morador assustado
Infelizmente dá vergonha de viver nesse Estado
Oh, Cristo Redentor, braços abertos
Não deixe o som do tiroteio sufocar nossos versos
Se eu declamo e se eu reclamo é por que eu amo isso aqui
Se a gente chora é porque sabe que merece sorrir

Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça
É ela menina, que vem e que passa
Num doce balanço, a caminho do mar (x2)

A praia tá bonita, as garotas mais ainda
Coisa mais linda, mais cheia de graça
Aqui no Posto Nove, não há quem reprove
Eu fico louco, só um pouco, mais um pouco
Dessa água de coco
Vale a pena vim aqui pra ver, meu skate, walkman
Eu fico zem, ouvindo esse CD
É só descer a Vinícius de Moraes
Com a lagoa ali atrás e na frente o mar aberto, pode crer
É deslumbrante, a vista, mas é bom ficar esperto
Que os ladrões vem pedalando e dão o bote certo
É bicicleta, poeta, a polícia não acompanha
Quem dá mole vira boi de piranha
Olha que coisa mais feia, arrastão na areia
Quanto ladrão e o turista sem ação perdeu até o calção
Dava até um bom samba, bossa nova, vem que tem
Deixa comigo Poetinha, eu sou poeta também
Tudo que eu falo vem do coração,
Não sou um Vinícius, mais também tenho esse vício
Você me perdoa, sabe como é... inspiração,
a gente vai rimando à toa, coisa ruim com coisa boa

Olha que coisa mais linda mais cheia de graça
É ela, menina, que vem e que passa
Num doce balanço, a caminho do mar (x2)

Deixa comigo, Maestro que eu faço meu som
Não sou um Jobim mais também rimo no tom
Chamei o meu filho assim, e foi em sua homenagem
E foi com ele que eu vim a fim de curtir a paisagem
a gente tá de passagem mas não tá de bobeira
É um mistério profundo, é o queira ou não queira
Eu já rodei meio mundo feito um pião vagabundo
Mas sempre volto pra casa pra me curar da tonteira
Uou, o Haiti não é aqui,
Mas é Vigário Geral logo ali
E a geral querendo subir a Rocinha, pra controlar o morrão
E a garotada na lage soltando pipa e rojão
Uou Uou, olha a galera zuando na condução
Voltando da praia lá pra Baixada
Amanhã tem trabalho, se não tiver chacina
De inocente e de criança, hoje de madrugada
Uou Uou, olha a menina passando no calçadão,
Vendendo seu corpo mas não a alma
Por causa do amor e da beleza que existe
O sol se pôs em Ipanema e ela também bateu palma

Olha que coisa mais linda mais cheia de graça
É ela, menina, que vem e que passa
Num doce balanço, a caminho do mar (x3)
Fonte: saiba mais!
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Ouvimos e cantamos o rap Bossa 9 de Gabriel O Pensador. Este rap me lembra outra música. Você saberia dizer qual é?...... Isso mesmo!!! É a música Garota de Ipanema de Vinícius de Moraes.


Garota de Ipanema
(Vinícius de Moraes)



Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
Num doce balanço, a caminho do mar

Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah! porque estou tão sozinho?
Ah! porque tudo é tão triste?
Ah! a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha

Ah! se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor (3x)
Fonte: saiba mais!
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Vamos entender um pouco essas letras do rap Bossa 9 e Garota de Ipanema. Não podemos deixar de também saber quem é Gabriel, O Pensador e quem foi Vinícius de Moraes; o que representam para a música, seus objetivos (intenções), suas épocas diferentes e também o que têm essas duas letras em comum. Acredito que você percebeu alguma semelhança.

Começo dizendo que essa semelhança, entre essas duas músicas de gêneros e épocas diferentes tem um nome: chama-se Intertextualidade.


Intertextualidade

A intertextualidade é uma forma de diálogo entre textos, que pode se dar de forma implícita ou explícita e em diversos gêneros textuais.

Muitas vezes, o autor parte de uma frase ou de um verso que ocorreu a ele (cf. texto "A última crônica", em que o autor confessa estar sem assunto e tem de escrever. Afirma então: "Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: assim eu quereria meu último poema".) Descreve então uma cena passada em um botequim, em que um casal comemora modestamente o aniversário da filha, com um pedaço de bolo, uma coca-cola e três velinhas brancas. O pai parecia satisfeito com o sucesso da celebração, até que fica perturbado por ter sido observado, mas acaba por sustentar a satisfação e se abre num sorriso. O autor termina a crônica, parafraseando o verso de Manuel Bandeira: "Assim eu quereria a minha última crônica: que fosse pura como este sorriso". O verso de Bandeira não pode ser considerado, nessa crônica, um mero pretexto. A intertextualidade desempenha o papel de conferir uma certa "literariedade" à crônica, além de explicar o título e servir de "fecho de ouro" para um texto que se inicia sem um conteúdo previamente escolhido. Não é, contudo, imprescindível à compreensão do texto.

O que me parece importante é que não se encare a intertextualidade apenas como a "identificação" da fonte e, sim, que se procure estudá-la como um enriquecimento da leitura e da produção de textos e, sobretudo, que se tente mostrar a função da sua presença na construção e no sentido do texto.

Trata-se da possibilidade de os textos serem criados a partir de outros textos. As obras de caráter científico remetem explicitamente a autores reconhecidos, garantindo, assim, a veracidade das afirmações. Nossas conversas são entrelaçadas de alusões a inúmeras considerações armazenadas em nossas mentes. O jornal está repleto de referências já supostamente conhecidas pelo leitor. A leitura de um romance, de um conto, novela, enfim, de qualquer obra literária, nos aponta para outras obras, muitas vezes de forma implícita.

A nossa compreensão de textos muito dependerá de nossa experiência de vida, das nossas vivências, das nossas leituras. Determinadas obras só se revelam através do conhecimento de outras. Ao visitar um museu, por exemplo, o nosso conhecimento prévio muito nos auxilia ao nos depararmos com certas obras.

Viram só! A Intertextualidade é uma constante em nossa vida. Nesse Blog é o que trataremos o tempo todo.

Intertextualidade - Referencial Teórico

Entre os variados tipos de referências, há provérbios, ditos populares, frases bíblicas ou obras/trechos de obras constantemente citados, literalmente ou modificados, cujo reconhecimento é facilmente perceptível pelos interlocutores em geral. Por exemplo, uma revista brasileira adotou o slogan: "Dize-me o que lês e dir-te-ei quem és." Voltada fundamentalmente para um público de uma determinada classe sociocultural, o produtor do mencionado anúncio espera que os leitores reconheçam a frase da Bíblia ("Dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és"). Ao adaptar a sentença, a intenção da propaganda é, evidentemente, angariar a confiança do leitor, pois a Bíblia costuma ser tomada como um livro de pensamentos e ensinamentos considerados como "verdades" universalmente assentadas e aceitas por diversas comunidades. Outro tipo comum de intertextualidade é a introdução em textos de provérbios ou ditos populares, que também inspiram confiança, pois costumam contar mensagens reconhecidas como verdadeiras. São aproveitados não só em propagandas mas ainda em variados textos orais ou escritos - literários e não-literários. Por exemplo, ao iniciar o poema "Tecendo a manhã", João Cabral de Melo Neto defende uma ideia: "Um galo sozinho não tece uma manhã". Não é necessário muito esforço para reconhecer que por detrás dessas palavras está o ditado "Uma andorinha só não faz verão". O verso inicial funciona, pois, como uma espécie de "tese", que o texto irá tentar comprovar através de argumentação poética.

Há, no entanto, certos tipos de citações (literais ou construídas) e de alusões muito sutis que só são compartilhadas por um pequeno número de pessoas. É o caso de referências utilizadas em textos científicos ou jornalísticos (Seções de Economia, de Informática, por exemplo) e em obras literárias - prosa ou poesia - que às vezes remetem a uma forma e/ou a um conteúdo bastante específico, percebido apenas por um leitor/interlocutor muito bem informado e/ou altamente letrado.

A remissão a textos e paratextos do circuito cultural (mídia, propaganda, outdoors, nomes de marcas de produtos, etc.), é especialmente recorrente em autores chamados pós-modernos. Para ilustrar, pode-se mencionar, entre outros escritores brasileiros, Ana Cristina Cesar, poetisa carioca, que usa e "abusa" da intertextualidade em seus textos, a tal ponto que, sem a identificação das referências, o poema se torna constantemente, ininteligível e chega a ser considerado por algumas pessoas como um "amontoado aleatório de enunciados", sem coerência e, portanto, desprovido de sentido.

Os livros que tratam de coesão e coerência textuais costumam contextuar intertextualidade e exemplificar contextos ou trechos de textos. A "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias, exaustivamente parodiada por diversos autores, é invariavelmente citada como exemplo de intertextualidade.

Os teóricos costumam identificar tipos de intertextualidade (cf. Koch & Travaglia. Texto e coerência. São Paulo, Cortez, 1989, p. 88-89), entre os quais se destacam:

  1. a que se liga ao conteúdo (por exemplo, matérias jornalísticas que se reportam a notícias veiculadas anteriormente na imprensa falada e/ou escrita: textos literários ou não-literários que se referem a temas ou assuntos contidos em outros textos, etc.). Podem ser explícitas (citações entre aspas, com ou sem indicação da fonte) ou implícitas (paráfrases, paródias, etc.);
  2. a que se associa ao caráter formal, que pode ou não estar ligado à tipologia textual como, por exemplo, textos que "imitam" a linguagem bíblica, jurídica, linguagem de relatório, etc. Ou que procuram imitar o estilo de um autor (cf. texto "Grande ser, tão veredas", de Paulo Leminski, publicado em A Folha de São Paulo, e reproduzido em Koch & Travaglia: 1989, p.89-90), em que o autor comenta o seriado da TV Globo, baseado no livro de Guimarães Rosa, procurando manter a linguagem e o estilo do escritor;
  3. a que remete a tipos textuais (ou "fatores tipológicos"), ligados a modelos cognitivos globais, às estruturas e superestruturas ou a aspectos formais de caráter linguístico próprios de cada tipo de discurso e/ou a cada tipo de texto: tipologias ligadas a estilos de época. Por superestrutura entendem-se, entre outras, estruturas argumentativas - premissas - argumentos (contra-argumentos) - (síntese) - conclusão (nova tese); estruturas narrativas (situação - complicação - ação ou avaliação - resolução (moral ou estado final) etc.; (cf. Fávero, L. Coesão e coerência textuais. São Paulo, Ática, 1991. Vocabulário crítico, p.92 e Koch & Travaglia, 1989 p.92-93);

Como afirmam Koch & Travaglia, "todas as questões ligadas à intertextualidade influenciam tanto o processo de produção como o de compreensão de textos e apresentam consequências no trabalho pedagógico com o texto [...]"(1989, p.95).

Considerada por alguns autores como uma das condições para existência de um texto, a intertextualidade se destaca por relacionar "um texto concreto com a memória textual coletiva, a memória de um grupo ou de um indivíduo específico" (Mira Mateus et alii, 1983).

A noção de intertextualidade, da presença contínua de outros textos em determinado texto, nos leva a refletir a respeito da individualidade e da coletividade em termos de criação. Neste sentido, Fiorin e Savioli (1996) afirmam:

"Todo texto é produto de criação coletiva: a voz do seu produtor se manifesta ao lado de um coro de outras vozes que já trataram do mesmo tema e com as quais se põe em acordo ou desacordo."

Vimos anteriormente que citação de outros textos se faz de forma implícita ou explícita. Mas, com que objetivo?

Um texto remete a outro para defender as ideias nele contidas ou para contextar tais ideias. Assim, para se definir diante de determinado assunto, o autor do texto leva em consideração as ideias de outros "autores" e com eles dialoga no seu texto.

Ainda ressaltando a importância da intertextualidade, remetemos às considerações de Vigner (1988, p.31-37): "Afirma-se aqui a importância do fenômeno da intertextualidade como fator essencial à legibilidade do texto literário, e, a nosso ver, de todos os outros textos. O texto não é mais considerado só nas suas relações com um referente extra-textual, mas primeiro na relação estabelecida com outros textos".